
Ana Paula Pires, 41 anos, e Adriano Gondim, 53 anos, são servidores públicos em Palmas e pais do Mateus e da Maria Fernanda. Na capital tocantinense o casal tem construído uma história de luta, superação e exemplo. E, em todo esse processo, eles tiveram na Justiça a garantia de seus direitos respeitados.
Ana Paula nasceu em Goiânia (GO) e casou-se com o Adriano, em 2000, aos 18 anos. No começo, não pensavam em ter filhos. Chegaram ao Tocantins em 2003 para trabalhar. “Várias coisas aconteceram nas nossas vidas com o trabalho, e a gente foi mudando as expectativas e o desejo da maternidade surgiu. Com esse desejo, na busca pela maternidade, já tinha sete anos de casada, comecei a tentar engravidar e não consegui.”
Com a dificuldade para engravidar, ela procurou profissionais e ouviu que a gestação só seria viável por meio de tratamento de reprodução humana assistida. “O meu mundo caiu, meu mundo ruiu. E eu falei: ‘eu não quero isso para a minha vida'”. Ela fez um pedido: “‘Deus, coloca no meu coração outro tipo de maternidade, se for para adotar, o Senhor coloca no meu coração’”.
A maternidade demorou, mas aconteceu. “E com isso tudo, 14 anos depois, eu engravidei de forma natural. O primeiro médico me disse que se eu acreditasse em milagres, provavelmente, eu teria um filho por milagre, mas pela ciência, não. Eu tinha 0,001% de chance. E aí, veio o Mateus Felipe, o nosso amor, nossa alegria. E ele é autista.”
E, no mês em que se comemora o Dia das Mães e o Dia Internacional das Famílias – 15/05, a Ana Paula é destaque de Maio do calendário institucional 2024. O produto, juntamente com a agenda, faz parte do kit comemorativo dos 35 Anos do TJTO e traz uma série especial com homenagens a pessoas que contribuíram para a construção da história da Casa de Justiça. As 11 histórias estão publicadas no site do TJTO e o acesso pode ser feito pelo QR Code disponível em cada mês do calendário. A entrevista com a Ana Paula foi concedida em dezembro de 2023
Mudanças, alegrias e desafios da maternidade
A maternidade, além de alegria trouxe desafios à família. O laudo do Mateus com o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi uma reviravolta.
A gente passou por uns perrengues depois dos dois anos. Até você descobrir que seu filho tem autismo, você chora muito. São muitas dores, muitos medos porque eu não sabia o que era”, diz, observando que hoje o TEA é mais difundido. “Hoje eu já tenho informação que há nove anos eu não tinha.
Com o diagnóstico, Ana Paula e Adriano foram atrás do tratamento multidisciplinar para o Mateus. Como era servidora contratada do Governo do Estado, não tinha direito ao plano de saúde. Então, a alternativa foi entrar com um processo na Justiça para garantir os direitos do filho. Durante os trâmites judiciais, a Ana Paula foi lotada em um cargo em comissão. “E eu consegui o Servir (plano do Governo do Estado), então, eu extingui o processo para outra criança ter essa possibilidade desse amparo do Estado”.
O sonho da irmãzinha
O Mateus foi crescendo, fazendo as terapias e veio a surpresa.
Aos três anos, ele pediu uma irmãzinha. E aí, a gente viu que estava na hora de aumentar a família. Eu sempre fui muito apaixonada por criança, mas não pensava em ter mais filhos. E aí, o meu esposo falou assim, ‘vamos adotar!’. Ele sempre teve o desejo de adoção mais do que eu, então, eu comecei a despertar.
A servidora pública conta que a escolha pela adoção não foi por medo do autismo. “Com o conhecimento que eu tenho hoje, o autismo não me causa medo mais. A Ana Paula amadureceu, ela sabe lidar com as situações. Quando você gesta, quando você vai para a gestação, você planeja um futuro com o seu filho. Você planeja que ele vai jogar bola, vai subir na árvore, correr, vai gostar de viajar. Você gera uma expectativa que, com o autismo, essas expectativas são lançadas ao chão.”
Com a decisão por adotar, começou o sonho de encontrar uma irmãzinha para o Mateus. Em 2020, eles fizeram o pré-cadastro no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento – desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para consolidar dados fornecidos pelos Tribunais de Justiça referentes ao acolhimento institucional e familiar, à adoção.
“Depois desse pré-cadastro, você junta documentação e entrega na Vara (da Infância e Juventude). E depois você passa pelo curso, e vêm os profissionais fazerem uma entrevista com você. E depois disso, eles fazem um relatório que enviam para o Ministério Público. E o Ministério Público vai avaliar toda a documentação e vai liberar se estamos aptos ou não para a adoção. E eles liberaram, voltaram para a Vara da Infância. E aí, sim, vamos para a fila. A fila é importante. Essa espera é para a gente aprender. E nessa fila eu aprendi muita coisa porque eu fui atrás de grupos de apoio à adoção.”
Parceria com o Judiciário
Depois de entrar na fila, a Ana Paula foi atrás de mais informações e se mobilizou para criar uma rede de apoio para os pretendentes à adoção. Descobriu a Associação Nacional de Grupo de Apoio à Adoção e, ainda em 2020, marcaram uma reunião com o Juizado da Infância e Juventude, com o Ministério Público e outros profissionais. Neste encontro, descobriram que em Araguaína já existia um grupo. Daí em diante, começou o trabalho em Palmas que é encabeçado por ela.
“Desde então, nós trabalhamos hoje juntamente com o Judiciário, inclusive, no curso de preparação dos pretendentes. O grupo de Apoio à Adoção tem uma fala. A gente tem uma hora com os pretendentes. Não é obrigatório, mas a gente sempre dá essa oportunidade para as pessoas, os pretendentes, saberem como que funciona. Que eles não estão sozinhos. Que eles podem ter essa troca, essa vivência, com quem está na fila.”
Presente de Natal antecipado
Em meio à expectativa e o trabalho com outros pretendentes, em julho de 2023, uma ligação mudou toda a vida da família da Ana Paula. Surgiu um bebê por entrega voluntária (quando a mãe entrega para a justiça).
“E aí quando eles ligaram pra gente, que a gente era o segundo da fila, eu nem contei pro Adriano no começo. Falei: o primeiro geralmente vai querer, porque o perfil mais desejado é o bebê, é o recém-nascido. E aí, na terça-feira, a assistente social falou: ‘Olha, o primeiro casal não quis’. E aí vocês são próximos”, conta, acrescentando que ainda era preciso que o sistema atualizasse para que eles subissem na fila.
“Foi aquela angústia. Ela só foi me ligar na quinta-feira, eu sei que nessa semana eu perdi três quilos. E não comprei nada também, porque a gente fica aquela coisa, ‘vai dar certo, não vai dar certo, será que é, será que não é?’ Coloquei os amigos tudo pra orar pela minha filha, que minha filha estava vindo, e quando foi na sexta-feira que eu pude buscar ela, aí eu mandei a 'fotinha' com minha filha nos braços, e aí foi uma rede, um movimento de amor, que até me emociona, porque a Maria Fernanda não tinha nada.”
A Maria Fernanda, que na época da entrevista tinha seis meses, trouxe mudanças significativas, inclusive para o Mateus. “A gente se preparou pra ele retroceder alguns aspectos. E muito pelo contrário, ele só evoluiu. Ele tem nos surpreendido. Na primeira semana, ele já começou a tomar banho sozinho. Ele começou a pedir e comer frutas. Porque ele não come por causa da seletividade alimentar. Então, ele começou até umas evoluções que, pra gente, foi maravilhoso.”
E pra quem aguardava na fila e tinha a expectativa de ver o sonho realizado só no final do ano, como um presente de Natal, a palavra que resume toda essa história é gratidão.
Eu falo que Deus é perfeito, porque ela não nasceu de mim, mas ela nasceu pra mim. A Maria Fernanda nasceu para um propósito, que é difundir a adoção. Porque é tão importante esse tema, é tão importante a gente falar sobre isso, não é porque ela já foi adotada. Adoção é um processo. Agora ela é minha filha.