
Em um país ainda marcado pela desigualdade de gênero, o Poder Judiciário dá exemplo ao reconhecer a influência das diferenças a que estão submetidas as mulheres ao longo da história na aplicação do direito, assumindo um protagonismo na luta contra a discriminação e a violência enfrentadas por elas.
Neste Dia Internacional da Mulher (8 de março), o Tribunal de Justiça do Tocantins aborda o assunto, trazendo como foco o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, recomendação do Conselho Nacional de Justiça que vem sendo reproduzida nas decisões de magistradas(os) tocantinenses.
Você vai ler nesta reportagem:
⚖ Olhar humanizado de magistrados(as) tocantinenses
🙎=🙎♂️ Atenção às desigualdades em todos os atos
📚 Judiciário do Tocantins qualificado e pautado na justiça social
📸 Fotos e infográfico
Olhar humanizado de magistrados(as) tocantinenses
Em janeiro deste ano, um réu foi condenado por violência doméstica, em Paraíso do Tocantins, por decisão da juíza Renata do Nascimento e Silva, que na sentença considerou a palavra da vítima como de “crucial importância para comprovação da autoria e da materialidade delitiva” e de “extrema relevância” para comprovação dos fatos.
No Sul do Estado, em setembro de 2024, durante audiência, o juiz Jossanner Nery Nogueira Luna, da Vara Especializada no Combate à Violência Contra a Mulher e Crimes Dolosos Contra a Vida de Gurupi, determinou à Unidade Prisional de Talismã que, “por meio de seus próprios meios e recursos”, providenciasse o deslocamento de uma mulher que ganhou liberdade provisória até a residência dela, localizada a cerca de 200 quilômetros do local onde estava presa.
No ano passado, em uma de suas decisões, a juíza Cirlene Maria de Assis, da Vara Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Araguaína, e coordenadora estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cevid/TJTO), condenou um homem por violência doméstica e ainda determinou que o denunciado pagasse a quantia de R$ 1,4 mil à vítima a título de indenização mínima por danos morais. Conforme a sentença, o réu, prevalecendo de relação íntima de afeto, ofendeu a integridade da mulher, que era sua companheira, por razões da condição do sexo feminino, causando-lhe lesões corporais.
Três decisões e um só propósito: julgar observando as desigualdades sociais, culturais, políticas e históricas entre homens e mulheres para garantir a igualdade e a não discriminação das pessoas. Essas diretrizes estão previstas no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero pelo Poder Judiciário, criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para auxiliar na implementação da Resolução CNJ nº. 492/2023.
Auxílio na hora de decidir
Além de conceitos relevantes, esse protocolo traz sugestões de etapas a serem seguidas por juízes(as) no contexto decisório, a exemplo de ferramentas para auxiliar no exercício de uma jurisdição com perspectiva de gênero. No documento, também são apresentadas particularidades de cada ramo da Justiça e sinalizados pontos de atenção a serem observados no tratamento dos feitos.
Embora não seja uma prática recente julgamentos com esse olhar atento, principalmente após a promulgação da Lei Maria da Penha, no Tocantins, muitos magistrados(as) adotaram o protocolo para fundamentar suas sentenças.
Segundo a juíza Renata do Nascimento, todas as suas decisões referentes a processos de violência doméstica são fundamentadas com base no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero.
Banco de sentenças
Tanto que esses e outros vereditos integram o banco de sentenças e decisões com aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, criado para criado para auxiliar a implementação da Resolução CNJ n. 492/2023 e para ampliar o acesso à justiça por mulheres e meninas.
O Poder Judiciário do Tocantins passou a alimentar esse banco de sentenças e decisões no ano passado, reforçando a difusão do conhecimento sobre a equidade de gênero e o combate à violência contra as mulheres.
No Estado, o cadastro de sentenças e decisões – tanto de 1ª quanto de 2ª Instâncias – é realizado pelo Tribunal de Justiça, por meio da Diretoria Judiciária (Dijud).
Espaço justo e igualitário
Para a presidente do Tribunal de Justiça do Tocantins, desembargadora Maysa Vendramini Rosal, fazer justiça com olhar da igualdade de gênero significa considerar as desigualdades estruturais para promover o direito a todas(os).
“Mais que uma celebração, Dia da Mulher representa um momento especial de reflexão sobre todos os desafios que ainda existem e também o fortalecimento da luta por espaço mais justo e igualitário a todas as mulheres”, destacou.
Atenção às desigualdades em todos os atos
Apesar de a igualdade ser um direito constitucional, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero representa um passo importante para juízas e juízes julgarem com atenção a fim de alcançarem a igualdade nas decisões.
Trata-se de um esforço para combater as diferenças de gênero por parte do Poder Judiciário, que tem assumido um protagonismo na luta contra a discriminação e a violência enfrentadas pelas mulheres.
Mas a juíza coordenadora da Cevid, Cirlene de Assis, vai além. Para a magistrada, a aplicação do protocolo não deve se limitar às decisões judiciais, mas também se estender aos julgamentos administrativos, assegurando que todos os atos do Estado sejam pautados por uma leitura atenta às desigualdades estruturais.
“Essa abordagem não se restringe aos casos de violência contra a mulher, mas abrange qualquer situação em que a mulher figure como parte mais vulnerável no processo, seja no âmbito trabalhista, previdenciário, consumerista ou em outras esferas do direito.”
A juíza ressalta que adotar essa perspectiva significa reconhecer que a neutralidade aparente das normas pode, na prática, perpetuar desigualdades “e que a equidade exige uma interpretação do direito comprometida com a superação das assimetrias históricas que marcam nossa sociedade."
Para o presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Tocantins, juiz Allan Martins, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero vai ao encontro da política que vem sendo trabalhada no Poder Judiciário há algum tempo. "O Judiciário brasileiro vem avançando nessa pauta, principalmente após a promulgação da Lei Maria da Penha e iniciativas adotadas pelo CNJ e desenvolvidas pelos tribunais, percebendo a necessidade de se criar uma cultura jurídica emancipatória e de reconhecimento de direitos de todas as mulheres. O Protocolo é resultado do amadurecimento institucional do Poder Judiciário e representa uma oportunidade para magistrados e magistradas refletirem sobre a sua prática, identificando elementos de gênero que merecem ênfase na prestação jurisdicional", ressaltou o presidente da Asmeto.
Judiciário do Tocantins qualificado e pautado na justiça social
O Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial e outros temas relacionados à igualdade de gênero estão previstos no Plano de Capacitação do Poder Judiciário do Tocantins, sob responsabilidade da Escola Superior da Magistratura Tocantinense (Esmat). Essa iniciativa demonstra o quanto o Poder Judiciário tocantinense está comprometido com a qualificação de magistradas(os) e servidoras(res) para oferecer uma melhor prestação de serviços e promover a igualdade entre toda(os).
Nos últimos quatro anos, foram realizadas várias ações de capacitação sobre direitos fundamentais, sendo a grande maioria com temáticas relacionadas a gênero. Esses eventos contaram com mais de 200 participações de magistrados(as), que hoje estão qualificados para os julgamentos em direitos humanos e com perspectiva de gênero.
Juízas e juízes atuando para promover uma análise sensível e imparcial dos processos, pautadas(os) pela justiça social.